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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O problema do líder-herói



Outro ponto pra se discutir a respeito do tema da liderança é o padrão do herói, que está embutido na identidade do “líder”. Anda não me dei por satisfeito com a postagem anterior e gostaria de aprofundar em minha proposta de questionar o que se chama de “líder” e privilegiar o fenômeno da liderança.
Tradicionalmente, a história dos recursos humanos em nosso país sofre a principal influência do EUA, por bem ou por mal. No país norte-americano, sempre envolto em guerras e na criação de inimigos imaginários, a figura do herói é corriqueira, esse termo é usado de modo abrangente, atribuído às mais diferentes pessoas que se sobressaem um pouco, reforçando a necessidade de ser famoso e de servir à pátria. Não à toa é o berço dos super-heróis. E, lá, o líder incorpore o arquétipo do herói. Inclusive na tradição dos Recursos Humanos.
Para muitos, isso não é apenas bom. Isso é ótimo.
Mas para os novos modelos de empresa que nossa sociedade reclama, esse perfil de alguém superior, forte, inquestionável, onisciente e invencível é muito prejudicial. O modelo de verticalização é incompatível com o modelo de células e com o modelo de parcerias com outras empresas e com a comunidade. A diminuição dos estratos hierárquicos na empresa colabora inclusive com o achatamento da diferença salarial.
E sobre os problemas do líder-herói, vou destacar algumas características que encantam igualmente aqueles que anseiam por ser líderes e muitos outros que desejam ser liderados por um semideus.  Trato do arquétipo do herói.
Vou começar pelo ponto que me parece ser mais grave: todo herói precisa de uma tragédia para justificar sua existência. Se aprendermos com os gregos (de onde vem o termo “herói”), mesmo se nos propusermos a analisar os relatos de outros povos, o herói está sempre associado a uma tragédia. Para lidar com uma situação assim, temos um contexto ainda pior, ou seja, é essencial que exista um inimigo comum e uma vítima. Temos aqui um cenário típico de fantasias e delírios paranoides.
Outra característica heroica, inerente à anterior, é a necessidade de se romper com as leis. O herói é aquele que rompe o metron, a medida, os limites, a norma. Pelo fato de se ter que lidar com uma tragédia, aquilo que é insuportável para os limites humanos, o herói (quase sempre um filho de um deus) se dá o direito de não se submeter às leis dos humanos, mortais, com o “suficiente” argumento de que sua condição lhe exige e lhe permite tal licença moral: o herói está acima da ética e da moral.
Os heróis exigem também admiração e serviço, estejam eles vivos ou mortos. Tradicionalmente o reconhecimento, a gratidão e o temor para com os heróis exigem sacrifícios. Os heróis são os primeiros a exigir sacrifícios, não raro se oferecendo como exemplos. Entretanto, safos, eles próprios têm mais direitos e poderes, podem romper o metron e desfrutar dos sacrifícios.
Poderia ir mais adiante, mas este espaço requer contenção. Não devo cair na tentação de ser um herói e romper os limites do metron. Por isso, quero sintetizar o que escrevi com um exemplo que me parece adequado.
Vou me valer da tradução literal do termo inglês leader para o alemão: Führer. Quem foi O Führer? Hitler.
Por meio dessa ligação, podemos aplicar no perfil do líder tudo o que foi dito sobre o herói: requer um inimigo público e uma vítima; incorpora poderes de semideus e rompe com os limites da ética e da moral; exige sacrifícios; apresenta fantasias e delírios paranoides; só têm sentido quando se ligam a uma tragédia.
Não foi por acaso que Brecht disse: “Pobre do povo que precisa de heróis”.

Bernardo Monteiro de Castro

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